quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Tercetos fatais (Bye-kais) - parte 3

Ilusão é enxergar
um céu de estrelas
vendo estrelas-do mar.
..........................................
Dor não se devolve,
vive-se; com o tempo,
ela se absorve.
..........................................
Há sentido na sorte
que nos leva à vida
que nos leva à morte?
..........................................
Se amor é veneno,
e vida é canção,
paradiclorobenzeno.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Tiro no escuro

Já estava pronto.
Se disfarça de tonto,
Não-vai-che-gar-a-té-o-pon-to

Na rua vazia
Caçava ilusões
Esvaziava pulmões
Até que um dia
Não encontrou nada.

Uma brisa quente e uma alma gelada.

Hora da saída,
Na boca, saliva,
Vamos para a despedida

Avistou a presa
Às quinze para as três,
Mas era a sua vez -
Com toda a certeza,
Havia sido fisgada.

Uma alma quente e uma brisa gelada.

O arrepio agudo,
In-feliz apuro
E começo de tudo -

O vislumbre inseguro
De um suspiro surdo,
Um tiro no escuro.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Ela só queria dançar

Por Arthur Ferreira Jr.'. e Lady Mizune







"NÃO É POSSÍVEL. EU DEVO TAR CHAPADA, mas não tomei nada hoje ..."

Os cheiros à volta de Aline se avivaram como chama que recebe combustível novo. Era como uma sinfonia de odores, alguns agradáveis e sedutores, outros terríveis e intoxicantes. A moça já havia experimentado esses sintomas antes, pelo menos duas vezes: era um dos efeitos colaterais daquela droga, uma pílula minúscula, nova no mercado, a chamada Belknap-14. A maioria dos usuários não se referia a ela por esse nome, como aliás acontece com várias drogas por aí: o apelido da nova sensação do momento era a GARRA.

Havia uma boa razão para esse nome, uma garra parecia arranhar a pele do viciado, traçando desenhos invisíveis, às vezes causando prazer, às vezes provocando uma dor excruciante ... às vezes ambos. Outros dos efeitos era esse aumento nos sentidos, essa avalanche de informação sensorial que Aline agora sentia, sozinha no beco, a uns três quarteirões da boate.

O suor começou a descer, frio e quente ao mesmo tempo, pela testa e pelo busto de Aline. O que ela não sabia, porque ainda não lhe haviam dito, era que umas poucas pessoas ... incluindo ela própria ... não ficavam só naquelas alucinações moderadas, naquela larica incrível, naquela sensação de poder, volúpia e glória, viajando em memórias às vezes falsas. Ela iria descobrir isso muito em breve, mas quem iria sofrer com isso não seria ela.

Muito em breve, todas as preocupações de sua vidinha não passariam de merda pisada. E quem pisaria nesse passado, em todas as coisas que um dia lhe foram importantes, seria ela mesma.

Essas ideias subiram da mente inconsciente como um dos cheiros avassaladores que Aline sentia, mas ela ainda não tinha condições de entender nada. Uma pessoa vagava na frente da entrada do beco onde a menina se escondia das colegas. Uma onda de pânico ameaçou surgir, mas não era uma de suas amigas falsas ... um desconhecido parecia estar perdido.

A pele de Aline começou a coçar, mas não era algo irritante. Sua boca começou a ficar cheia d'água. Os cheiros do turista perdido ... eram ... ela tinha que fazer alguma coisa.




Mas ainda assim não se moveu. Alguma coisa a fazia esperar. A coceira continuava, como se os pelos do seu corpo produzissem uma leve eletricidade...

O turista continuava a caminhar. Seu cheiro se dissipava ... ela não podia perdê-lo. Não. Decidiu segui-lo. Sombras moviam-se na penumbra ao seu redor. Estava tudo distorcido, Aline caminhava como se estivesse em um filme em stop motion, mas já havia sentido isso antes, iria passar. Ouvia risadas curtas, falas ininteligíveis ...
Estava completamente molhada ... Havia chovido? As risadas pararam. Sentia como se algo corroesse suas veias, movesse por debaixo da sua pele. Um arrepio, apesar da confusão de cheiros e cores que não a agradava. Precisava sair dali... Precisava daquele aroma...

Tentou correr da maneira que pôde. mas caiu na calçada. Olhou pra baixo e viu que seu vestido havia mudado de cor. Uma sombra vinha em sua direção. Aline sorria...






e aquele sorriso de olhos fechados era tão sublime, que o homem na entrada da viela estacou, paralisado, e esqueceu o amigo que ia marchando mais à frente, pela rua principal.

Fernando era um turista de outro continente, que havia sido seduzido pelas histórias daquela cidade labiríntica, mas que agora parecia esquecer todas as minúcias dos alertas de cautela que ouvira, de tão seduzido pela beleza e estranhamento daquela situação: uma menina trêmula, que não devia ter mais de dezoito anos, toda sua pele morena porejando de suor, cabelos levemente encaracolados, um vestido preto apertado, deixando o ombro da moça à mostra; e ela estava tropeçando pelo chão, ao mesmo tempo parecia desesperada e aliviada, seu rosto se voltou na direção de Fernando e aquele sorriso se desenhou, atraente e perturbador.

O turista nem se preocupou em avisar o amigo, que devia estar sumindo numa esquina qualquer, naquele exato momento. Sua sombra se desenhou por sobre o rosto de Aline, Fernando queria de todo coração ajudar, a moça tremia com tanta força que poderia estar passando mal a sério, e quem sabe depois o que ele poderia ganhar em troca? A natureza humana é assim, generosidade e ambição mescladas num só ato imprudente.

Infelizmente para Fernando, aquela moça não estava passando mal, apenas indo além de sua natureza humana, sem que nenhum dos dois se desse conta disso, naquele instante em que ela abriu os olhos e o moço enxergou duas pupilas de um castanho claro lindo. O instante durou pouco.

Os instantes sempre duram pouco, mas aquela cena nunca sairia da memória de Fernando, e pareceu ter durado uma eternidade: os olhos gentis se arregalaram, uma fenda negra vertical se abriu nas pupilas agora avermelhadas da menina. Os rosto antes inocente assumiu um semblante bestial, de pelos surgindo dos lados do rosto, como se sempre existissem ali, e o sorriso que era angelical ficou cheio de dentes afiados. A criatura não tremia mais, se lançava sobre ele, e uma mão de garras rubras veio na direção do rosto do turista apavorado, e depois veio a boca, faminta, fatal e violenta.

Aquela mordida no braço. Era demais, a dor de estar sendo devorado vivo, estava tudo entrando num slow motion bizarro, e um torpor analgésico invadiu a alma de Fernando, e enquanto ele sentia seu braço ser roído fora, desmaiou como se forçado a isso por algum veneno misterioso.

Quando alguém o descobriu mais tarde, caído no beco, desacordado, sozinho na madrugada fria, uma laceração sangrenta cortava o rosto do rapaz, e algo muito sádico tinha sido feito a seu antebraço, se é que Fernando podia dizer que tinha mais antebraço. Os moradores daquela parte da cidade ficaram em pânico, e um rumor começou a se espalhar. Quando ele acordasse no hospital, será que conseguiria se lembrar do que aconteceu? Iria contradizer ou confirmar a lenda urbana que nascia e se espalhava como a mancha de sangue que ficou naquele beco?



Que fera seria aquela que havia esmigalhado parte do seu corpo? Mas, mais do que isso, que beleza, qual erva alucinógena, era capaz de ainda levar parte de seu juízo com ela?

***

Aline não sabia como fora parar naquele parque. O que teria acontecido? Lembrava-se do som pesado na boate, de estar envolta em trance. Dos traços invisíveis por sua perna. Da sensação de tudo tentar agarrá-la, os suores, as salivas, e do enjoo que a fez sair dali. Lembrava-se de dois vultos e um tremor repentino. Aquelas loucas …

Serrilhava ainda mais os dentes. Lembrava-se de um rosto... Sua boca encheu-se de água... e de um sabor nunca antes provado. Ela não entendia, e ria. RIA! De como se sentia poderosa mesmo estando deplorável, com sua roupa rasgada e sua pele sangrenta. Não queria voltar pra casa. Queria fugir, mas não precisava! Estava tudo ali, em si, ao seu alcance!

Cansada, deitou-se no asfalto sob um céu levemente nublado, quase sem estrelas. O vento úmido e gélido era como um sopro infantil para sua pele em brasa. Descansou assim, por eras e segundos, até as luzes aparecerem. Cobriu os olhos.

Lanternas ziguezagueavam em sua direção. Dois homens, fardados, a indagaram sobre o que fazia ali a aquela hora da noite. Aline apenas respondeu, serena e lânguida:

"Eu só queria dançar ...”



quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Ampulheta

Tenho o coração nas mãos.

Mais uma vez, à beira-mar,
Sigo os rastros do amor que jamais voltará.
Adeus, deserto em mim, me rendi -
Ó ondas a vagar, possuí.

Será que, por ser barro, e não porcelana;
Ou, no suficiente, profana,
Fugi dos teus ideais?
Minha fragrância não é cotidiana,
Sou dama-da-noite e cigana,
Mais que quaisquer mil roseirais!

Quiseste outra, ó andarilho da neblina?
Meu ventre não é mais, para ti, um descaminho;
Libertaste dos meus seios tua sina!
Viverei qual tempestade e calmaria?
Qual! Seguirei, causando novo desalinho;
Gozarei, tal montadora e montaria!

O líquido que irriga é o que mata.
A chama não retornará intacta.
O que foi tesouro, no coração se esfarela.
O que foi desejo, escorre entre minhas pernas...

Tinha o coração nas mãos. Agora, à beira-mar,
Novas pegadas o irão marcar...

domingo, 28 de novembro de 2010

Reencontro

Finalmente, chegara ali.

Ignorou os avisos nas paredes. Não havia ninguém. Demorou-se a entrar, todavia.
O lugar era maior do que deveria ser. Na verdade, não era o que deveria ser. Havia escadas e janelas por toda parte - e havia paisagens. A viagem já havia sido longa, então era adequado encontrar um lugar para descansar. Agora, hesitava. Um uivo, longo, ecoou durante alguns segundos. Não sabia para onde ir - apenas sentia.

Chegou a uma porta no meio do corredor. Ao contrário das outras, que estavam escancaradas, estava entreaberta. Ouviu-se um novo uivo, interrompido bruscamente, vindo através dela. Correu. De repente, parou, sem fôlego. Era a segunda visão mais bela que já tinha visto em sua pequena vida. Em um local desértico, de areias mui brancas, uma grande esfera brilhava por sobre um lago. E daí que havia milhões de ossos naquele lugar? Quem se importava se o lago era escarlate? Era ali que estava, com certeza, o que veio encontrar. Mas a distância era inalcançável. Desejou morrer ali.

Foi então que o viu. Um lobo, cinzento, com sangue entre suas presas, correu em sua direção. Só havia cansaço, dor e frustração - não lhe restava fazer mais nada. Deitou-se e fechou os olhos.

Sentiu algo gélido transpassar o seu corpo. O animal estava lambendo-lhe a face? Arrepiou-se quando viu que as patas do lobo atravessaram o seu ventre. "Segue em frente", disse. E, de súbito, sabia o que fazer. Desejou, novamente, morrer ali.

Chegara ao santuário. Ignorou a distância que os separava. Conhecia todo o caminho, mesmo sendo a primeira vez que o percorria. Sabia decifrar cada código. Abrir cada fechadura. E então, o tesouro. Hora do código final.

Tocou-lhe a mão esquerda. "Estava esperando por você". E beijou-lhe.

O olho de Deus despertara.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Pseudo-abstêmia

Troco as pernas de lugar
Queria correr feito qualquer moleque
Mas deixa estar
Sinto como se estivesse de pileque
Há um aroma forte por perto
Nem olhe pra mim, é certo
A menos que queira se embebedar

Não sei o que deve pensar
Quando me vê gargalhar sozinha
E cantarolar a mesma ladainha
Mas se quiser me acompanhar, tudo bem
Só deixa esse álcool um pouco mais pra lá, porque

Eu prefiro estar
Sóbria
Porque assim posso aproveitar
O sabor de minha própria loucura
Quem irá apagar
Minha memória
Sou eu, na hora que desejar
Delirar na minha cama ao invés da terra dura

Eu te deixo ver duas formas de mim
É normal
Se começar a ficar longe e bem pertinho
Já é passando mal
Pode até choramingar um pouco no meu peito
E, se tiver que pagar, será de outro jeito, porque

Eu prefiro estar
Sóbria
Porque assim posso aproveitar
A graça da interna loucura
Que irá aflorar
Mil histórias
Do seu eu, na hora que desejar
Delirar na minha cama ao invés da terra dura

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Oligo, logo, rhea - Parte 2: Paranóia.

Acordo em mais um lugar que não é meu. Eu tenho o que fazer, eu tenho que fazer, eu tenho que... Eu tenho, tenho... eu. Não, não é meu. Corro.

Entro em um vagão, e então tudo se move. Rostos conhecidos me olham. Um deles toca em meu ombro e fala coisas impossíveis, para o ser que é. Os outros não falam nada, como sempre. Atrás, um par de gêmeos (ou serão gêmeas?) de cabelos vermelhos como sangue, crianças, viram-se suavemente ao me ver. Há um animal branco e peludo passeando tranquilamente. Alguém me chama e diz que isso vai bater. As nuvens que vejo parecem asfalto. Tudo treme.

Acordo em mais um lugar que não é meu. É tudo verde e cinza. O animal peludo continua caminhando. Há uma grande concha branca, imponente, intocada. Uma ou outra pessoa caminha como se houvesse, ou fosse, água. Eu preciso correr. Tem alguém olhando. Tenho uma epifania, roubada logo depois. Fecho os olhos.

Lugar-nenhum. Em terra de cego quem tem um olho está errado. Ou não? Flashes, flashes, flashes. Dançar em meio à escuridão. Beat, beat, beat. Beat IT. Morfoloidismos instantâneos. Quem sou você?...
Gostei deste lugar, mas ainda não é pra mim. Vou andar um pouco...

Acordo nos olhos de alguém. Me diga se encontrar meu lugar. Passei da hora de começar.

domingo, 14 de novembro de 2010

O que há além - parte 1

Da dança, o prazer.
Da inteligência, a percepção.
Da intolerância, o medo.
Da autoridade, a retração.
Do azar, a solidão.
Do esquecimento, os problemas.
De seis chapéus, um coração vermelho.

Do prazer, o julgamento.
Da percepção, o julgamento.
Do medo, o julgamento.
Da retração, o julgamento.
Da solidão, o julgamento.
Dos problemas, o julgamento.
De um coração vermelho, o julgamento...

Do julgamento, o homem. Injusto, afinal.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Me, ow!

Meu pulo
Meu salto
Num curto espaço
Telhado
Molhado
Terreno escasso

Minha lã
Não se mexe
Um canto me aquece
Um tanto me esquece

Vai um, vem dois ou três
Todos aguardando a vez
Não quero nenhum de vocês

Adoro zoar com quem pula
E quem rola
Mas não dou a bola... será?
No fim, um gesto: "vem cá!"

Eu sou mesmo assim
Me calo
Mal falo
E sumo
Mas mio e sorrio
Até num baita frio
E assim descubro quem gosta de mim