domingo, 28 de novembro de 2010

Reencontro

Finalmente, chegara ali.

Ignorou os avisos nas paredes. Não havia ninguém. Demorou-se a entrar, todavia.
O lugar era maior do que deveria ser. Na verdade, não era o que deveria ser. Havia escadas e janelas por toda parte - e havia paisagens. A viagem já havia sido longa, então era adequado encontrar um lugar para descansar. Agora, hesitava. Um uivo, longo, ecoou durante alguns segundos. Não sabia para onde ir - apenas sentia.

Chegou a uma porta no meio do corredor. Ao contrário das outras, que estavam escancaradas, estava entreaberta. Ouviu-se um novo uivo, interrompido bruscamente, vindo através dela. Correu. De repente, parou, sem fôlego. Era a segunda visão mais bela que já tinha visto em sua pequena vida. Em um local desértico, de areias mui brancas, uma grande esfera brilhava por sobre um lago. E daí que havia milhões de ossos naquele lugar? Quem se importava se o lago era escarlate? Era ali que estava, com certeza, o que veio encontrar. Mas a distância era inalcançável. Desejou morrer ali.

Foi então que o viu. Um lobo, cinzento, com sangue entre suas presas, correu em sua direção. Só havia cansaço, dor e frustração - não lhe restava fazer mais nada. Deitou-se e fechou os olhos.

Sentiu algo gélido transpassar o seu corpo. O animal estava lambendo-lhe a face? Arrepiou-se quando viu que as patas do lobo atravessaram o seu ventre. "Segue em frente", disse. E, de súbito, sabia o que fazer. Desejou, novamente, morrer ali.

Chegara ao santuário. Ignorou a distância que os separava. Conhecia todo o caminho, mesmo sendo a primeira vez que o percorria. Sabia decifrar cada código. Abrir cada fechadura. E então, o tesouro. Hora do código final.

Tocou-lhe a mão esquerda. "Estava esperando por você". E beijou-lhe.

O olho de Deus despertara.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Pseudo-abstêmia

Troco as pernas de lugar
Queria correr feito qualquer moleque
Mas deixa estar
Sinto como se estivesse de pileque
Há um aroma forte por perto
Nem olhe pra mim, é certo
A menos que queira se embebedar

Não sei o que deve pensar
Quando me vê gargalhar sozinha
E cantarolar a mesma ladainha
Mas se quiser me acompanhar, tudo bem
Só deixa esse álcool um pouco mais pra lá, porque

Eu prefiro estar
Sóbria
Porque assim posso aproveitar
O sabor de minha própria loucura
Quem irá apagar
Minha memória
Sou eu, na hora que desejar
Delirar na minha cama ao invés da terra dura

Eu te deixo ver duas formas de mim
É normal
Se começar a ficar longe e bem pertinho
Já é passando mal
Pode até choramingar um pouco no meu peito
E, se tiver que pagar, será de outro jeito, porque

Eu prefiro estar
Sóbria
Porque assim posso aproveitar
A graça da interna loucura
Que irá aflorar
Mil histórias
Do seu eu, na hora que desejar
Delirar na minha cama ao invés da terra dura

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Oligo, logo, rhea - Parte 2: Paranóia.

Acordo em mais um lugar que não é meu. Eu tenho o que fazer, eu tenho que fazer, eu tenho que... Eu tenho, tenho... eu. Não, não é meu. Corro.

Entro em um vagão, e então tudo se move. Rostos conhecidos me olham. Um deles toca em meu ombro e fala coisas impossíveis, para o ser que é. Os outros não falam nada, como sempre. Atrás, um par de gêmeos (ou serão gêmeas?) de cabelos vermelhos como sangue, crianças, viram-se suavemente ao me ver. Há um animal branco e peludo passeando tranquilamente. Alguém me chama e diz que isso vai bater. As nuvens que vejo parecem asfalto. Tudo treme.

Acordo em mais um lugar que não é meu. É tudo verde e cinza. O animal peludo continua caminhando. Há uma grande concha branca, imponente, intocada. Uma ou outra pessoa caminha como se houvesse, ou fosse, água. Eu preciso correr. Tem alguém olhando. Tenho uma epifania, roubada logo depois. Fecho os olhos.

Lugar-nenhum. Em terra de cego quem tem um olho está errado. Ou não? Flashes, flashes, flashes. Dançar em meio à escuridão. Beat, beat, beat. Beat IT. Morfoloidismos instantâneos. Quem sou você?...
Gostei deste lugar, mas ainda não é pra mim. Vou andar um pouco...

Acordo nos olhos de alguém. Me diga se encontrar meu lugar. Passei da hora de começar.

domingo, 14 de novembro de 2010

O que há além - parte 1

Da dança, o prazer.
Da inteligência, a percepção.
Da intolerância, o medo.
Da autoridade, a retração.
Do azar, a solidão.
Do esquecimento, os problemas.
De seis chapéus, um coração vermelho.

Do prazer, o julgamento.
Da percepção, o julgamento.
Do medo, o julgamento.
Da retração, o julgamento.
Da solidão, o julgamento.
Dos problemas, o julgamento.
De um coração vermelho, o julgamento...

Do julgamento, o homem. Injusto, afinal.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Me, ow!

Meu pulo
Meu salto
Num curto espaço
Telhado
Molhado
Terreno escasso

Minha lã
Não se mexe
Um canto me aquece
Um tanto me esquece

Vai um, vem dois ou três
Todos aguardando a vez
Não quero nenhum de vocês

Adoro zoar com quem pula
E quem rola
Mas não dou a bola... será?
No fim, um gesto: "vem cá!"

Eu sou mesmo assim
Me calo
Mal falo
E sumo
Mas mio e sorrio
Até num baita frio
E assim descubro quem gosta de mim